segunda-feira

Deu no UOL: compra de votos se torna um hábito em cidade do interior do PI


"Isso é um desmantelo, é uma desgraceira”, diz o comerciante Antônio de Sá. “O povo aqui só vota em deputado e essas coisas por dinheiro.” A aposentada Helena Sobreira concorda com outras palavras. “Nas eleições, eles compram voto mesmo. Não é tijolo, não é dentadura, não. Eles dão é dinheiro.”
A compra de votos acontece em todas as regiões do Brasil. Foram 1.206 casos só na última eleição (2012). Em Alagoinha do Piauí, porém, esse crime eleitoral ganha contornos trágicos, afinal, a cidade é a recordista em analfabetismo do país. Antônio e Helena fazem parte dos 41,6% dos moradores de lá que não sabem ler nem escrever.
Exemplo disso, o município já teve um prefeito cassado por captação ilícita de sufrágio, nome técnico para o voto vendido. A notícia parece até um causo sertanejo: em 2009, Clodoaldo de Moura (PT) foi afastado e, como vingança, levou a chave da prefeitura com ele. A presidente da Câmara, que ficou como interina, teve que despachar várias semanas da calçada.
"Qualquer agradinho, R$ 30, R$ 40 já ajeita o voto de um sujeito
Qualquer agradinho, R$ 30, R$ 40 já ajeita o voto de um sujeito", resume Antônio, a venda no varejo. O enredo da vida dele se confunde com a de outros “malucos véios sem nada”, como ele define os iletrados. Infância na roça, escola distante e descaso das autoridades e da família são o início da história, que se completa com a ineficiência dos programas estatais de ensino para jovens e adultos.
Foi assim com o Mobral, promovido pelo regime militar (1964-1985). Foi assim com o Brasil Alfabetizado, lançado durante o governo Lula (2003-2010).
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Nesse último, uma fraude colaborou para manter o nível de ensino tão baixo por lá. Como os educadores receberiam R$ 400 por turma formada, como havia muita resistência dos idosos analfabetos e como não havia fiscalização, vários grupos foram formados com pessoas que já eram alfabetizadas. Ou seja, ensinavam quem não precisava.
Nos últimos 50 anos, o percentual de analfabetos no território nacional caiu de 39,8% para 9%. Em Alagoinha do Piauí, entretanto, o índice se manteve em um patamar da era em que o Brasil era um país rural
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Por sinal, a maioria da população do município está no campo (64%). Das 13 escolas, dez são na zona rural e são multisseriadas (alunos de várias séries com uma mesma professora e em uma mesma sala). Cinco ônibus e 150 bicicletas são oferecidos para o transporte dos estudantes. Mas muitos ainda viajam nas caçambas de caminhonetes para chegar aos colégios, no mais típico estilo pau-de-arara, em meio aos cajueiros que sofrem com a seca e empobrecem ainda mais a área.
“Papagaio velho não aprende a falar. Eu passo o dia roçando embaixo do sol. Chega a noite, eu quero é descansar. Não consigo estudar”, afirma o agricultor Adão Paz. Ele diz que na hora de votar não tem dificuldade. “Número é mais fácil que letra. Pego o santinho e decoro. Quando vejo a foto do cabra, aperto o botão verdinho e pronto.”